quinta-feira, 28 de abril de 2016

Dolo eventual em crimes de trânsito

Polêmico, dolo eventual em crimes de trânsito é questionado por especialistas 

Ministério Público gaúcho tenta enfrentar barreira conceitual no caso do atropelamento de um casal no Parcão, em Porto Alegre. Pedido de prisão preventiva também foi considerado medida exagerada 


Polêmico, dolo eventual em crimes de trânsito é questionado por especialistas  Ronaldo Bernardi/Agência RBS
Audi conduzido por Thiago Brentano, que provocou o atropelamento do casal no Parcão, no início de abrilFoto: Ronaldo Bernardi / Agência RBS
Discussão antiga quando o assunto é crime de trânsito, a responsabilização de motoristas por dolo eventual segue causando polêmica a partir do surgimento de novos casos de acidentes. Desta vez, o Ministério Público gaúcho tenta imputar a pena ao empresário Thiago Brentano, condutor de um Audi A5 que provocou o atropelamento de um casal no Parcão, em Porto Alegre, no início de abril.
A primeira tentativa não teve sucesso, e a 1ª Vara do Júri entendeu que a conduta do empresário é fato qualificador de homicídio culposo de trânsito, previsto pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). O recurso da denúncia já foi protocolado no Tribunal de Justiça (TJ-RS), mas ainda não foi distribuído ao magistrado que será responsável pela nova análise. A expectativa da promotoria é de que a decisão demore em torno de um mês para sair.
A legislação vigente no CTB prevê punições moderadas para crimes não intencionais, passíveis de serem revertidas em penas alternativas, e não possui regras claras para enquadrar condutores que assumem o risco de matar ao dirigir de forma irresponsável, ampliando a sensação de impunidade.
Em certos casos, responsabilizar motoristas via Código Penal como homicídio ou tentativa de homicídio, com dolo eventual — quando se adota uma conduta tão irresponsável que admite o risco de matar — parece ser a única alternativa para tentar punições mais severas. Mas é exatamente nesse ponto que começam as divergências.
O juiz aposentado Nei Mitidiero, pioneiro na adoção do dolo eventual no Estado, explica que a discussão se concentra em questões doutrinárias e jurisprudenciais.
— Alguns magistrados admitem que possa haver tentativa dolosa de homicídio no trânsito, outros ficam apenas na questão do resultado do acidente. Mas é difícil admitir que o sujeito vá se arriscar a um resultado específico. Ele não sabe o que vai acontecer — sustenta.
Fernanda Corrêa Osório, advogada e professora de direito e processo penal da PUC-RS, concorda com Mitidiero e, consequentemente, faz coro à decisão do juiz Mauricio Ramires, que rejeitou a denúncia do Ministério Público.
— Dolo eventual exige que o agente assuma o risco, e não é possível afirmar que o fato de se estar em velocidade excessiva ou de se ter ingerido bebida alcoólica signifique que ele teria assumido o risco de matar — salienta.
Mesmo com o teor da denúncia enfraquecido por decisão da 1ª Vara do Júri e também pela avaliação de especialistas, o MP decidiu, no recurso, voltar a pedir a prisão preventiva de Brentano por três tentativas de homicídio triplamente qualificado, com dolo eventual. Outro equívoco conceitual, segundo a professora da PUC-RS.
— A prisão preventiva é cabível em casos excepcionalíssimos, somente em crimes dolosos e quando estiverem presentes todos os pressupostos. Me parece exagerado o pedido de prisão nesse caso. Clamor popular não justifica prisão antes de uma eventual sentença condenatória. Só existe para assegurar o processo e não como uma forma de antecipação da pena, como uma suposta resposta à sociedade, ainda que o crime seja considerado grave — argumenta a professora.
Mitidero também desqualifica a denúncia do MP e entende que o caso de Brentano deve ser tratado como lesão corporal grave e não como tentativa de homicídio.
— Me parece que se caracteriza a prática de lesões corporais graves, com dolo eventual. O condutor não sabia se ia causar lesão corporal, matar ou se nada iria acontecer. Como ele não tem nenhum comprometimento com o resultado, o que ocorrer, de fato, é o que vai consumar o crime — justifica.
A promotora Luciane Wingert reconhece que a questão não é unânime, mas reforça que os elementos e as circunstâncias do caso justificam a denúncia.
— Há entendimentos para ambos os lados. Nunca foi um consenso. Mas cada caso é um caso. Não se trata de uma regra que se aplica a todos os casos. E a polêmica em torno do dolo eventual não se restringe ao trânsito. Só que, no caso dele (Brentano), nós observamos cinco fatores (excesso de velocidade, ingestão de bebida alcoólica, furar o sinal vermelho, participar de racha e dirigir com a CNH suspensa) que permitiram a ele fazer reflexões anteriores e pouco se importar com o resultado — ressalta.
Fonte: Zero Hora

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