domingo, 15 de fevereiro de 2015

Qual deve ser a punição para motoristas bêbados


Penalidades a quem dirige embriagado aumentam, mas, mesmo em caso de homicídio de trânsito, condutores raramente cumprem prisão em regime fechado. Multas e serviços comunitários são suficientes para inibir a mistura de álcool e direção?

Qual deve ser a punição para motoristas bêbados Dani Barcellos/Agência RBS
Colisão entre um Corsa e uma Ecosport matou uma jovem na Capital em novembro de 2013Foto: Dani Barcellos / Agência RBS
A cada acidente fatal envolvendo motoristas embriagados, o roteiro se repete: preso em flagrante, o condutor é libertado dias – às vezes, horas – depois, sob pagamento de fiança, e acaba respondendo ao processo em liberdade.
No Natal, sob efeito de álcool, um motorista perdeu o controle do veículo e invadiu a pista contrária em Capão da Canoa, matando uma motociclista e deixando a caroneira em estado gravíssimo. No dia seguinte, recebeu da Justiça o direito de responder em liberdade.
Em situações como essa, para uma parcela da população resta a sensação de impunidade. Mas, ao final de cada processo, é possível falar que não houve punição?
Conforme dados da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, o número de homicídios culposos de trânsito julgados no Rio Grande do Sul – incluindo os causados por condutores alcoolizados – quintuplicou nos últimos anos, saltando de 962 em 2010 para 4.905 em 2014. Nos julgamentos, o saldo de condenados subiu de 313 para 449. Ou seja, um número maior de motoristas – entre eles, os flagrados bêbados – vem sendo punido ano após ano.
Na maior parte dos casos, as penas se resumem a multas ou a obrigatoriedade de prestação de serviços comunitários. Conclusão inevitável: beber, dirigir e matar ao volante não resulta em cadeia.
– Óbvio que multas e sanções administrativas são insuficientes diante de um crime contra a vida. Mas nem mesmo as penalidades referentes às infrações são aplicadas na proporção desejável, e isso estimula condutas criminosas – diz o consultor da Associação Brasileira de Educação de Trânsito (Abetran) Luís Carlos Paulino.
Só um condutor preso sob acusação de homicídio no RS
Para o especialista em educação e segurança no trânsito Eduardo Biavati, mestre em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), a falta de fiscalização é um dos principais fatores que contribuem para a sensação de impunidade em relação às condutas de risco ao volante, como beber e dirigir.
– A lei pode ser rigorosa, mas depende de uma fiscalização que não é simples. A Operação Lei Seca do Rio de Janeiro, a mais bem estruturada do país, não conseguiu ser reproduzida em nenhum Estado, porque, para se ter uma fiscalização que faça valer o que está na lei, é preciso ter estrutura. A prisão (nos casos de homicídio) é apenas uma das medidas a serem tomadas a partir da lei. E as outras? Resultado: as pessoas sentem que não dá em nada – diz Biavati.

Juiz da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, Eduardo Lucas Almada avalia que o cenário mudou nos últimos anos. Para ele, mesmo que a atuação da Justiça não seja percebida de forma tão evidente pela população, em razão dos ritos e prazos processuais a serem cumpridos em cada processo e, principalmente, pela própria impossibilidade de condenação em regime fechado, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), em vigor desde 1998, modificou radicalmente o tratamento aos delitos cometidos por motoristas:
– Antes, muitas condutas não eram punidas, e agora são. Tem muita gente que está sendo punida – garante Almada.
Em ascensão nos últimos anos, indicadores como multas e processos administrativos por embriaguez levados a cabo pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran) mostram o esforço do Estado em punir a irresponsabilidade ao volante. Ao mesmo tempo, outro indicador aponta que o recrudescimento da fiscalização pode estar surtindo efeito: em Porto Alegre, cidade que conta com barreiras diárias da operação Balada Segura, a média diária de prisões por embriaguez ao volante vem caindo (de 1,3 em 2012 para 1,06 em 2014).
Educação para mudar a cultura
Para o chefe de Divisão de Cassação e Suspensão de Condutores do Detran, Anderson Paz Barcellos, o maior número de abordagens, de penalidades aplicadas e de carteiras recolhidas contribui para que, aos poucos, os motoristas tornem-se mais prudentes:
– As penalidades, na esfera administrativa e na penal, são muito duras. A gente tenta também mudar essa questão de forma educacional, para que, no futuro, possamos, de uma forma mais ampla, mudar a cultura do trânsito.
Por que ninguém vai para a cadeia
Juiz da Vara de Delitos de Trânsito de Porto Alegre, Volcir Antônio Casal garante que os casos em que a investigação consegue provar que o motorista causador de acidente estava embriagado sempre resultam em julgamento e punição, "por mais que o processo demore um pouco mais tempo em razão das perícias".
Entretanto, por várias razões, penalizar não significa manter o condutor em regime fechado. A principal razão é descrita no artigo 33 do Código Penal, que prevê o cumprimento do castigo em regime fechado somente em caso de condenações a penas superiores a oito anos.
De toda forma, o Ministério Público tem uma alternativa para buscar a condenação do condutor a penas maiores, que resultariam na reclusão em regime fechado. Encerrado o inquérito, em vez de enquadrar o motorista em artigos do Código Brasileiro de Trânsito (CTB), com penas máximas de quatro anos, o promotor pode denunciar o acusado com base no artigo 121 do Código Penal, que determina penas de seis a 30 anos para crimes dolosos (com intenção de matar).
– O homicídio de trânsito não leva para cadeia porque a pena máxima prevista no CTB é de quatro anos. Ninguém fica preso com quatro anos de pena. A lei não permite. Se o caso for a júri, pelo Código Penal, o acusado pode pegar 20 ou 30 anos. E aí, sim, pode ocorrer a condenação ao regime fechado – diz Casal.
Nova regra no CTB dificulta punição
Na opinião do juiz José Luiz Leal Vieira, da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado, uma recente modificação na lei deve dificultar a tentativa de se punir mais severamente os motoristas embriagados envolvidos em acidentes fatais. Em novembro, entrou em vigor o parágrafo 2º do artigo 302 do CTB, que prevê, expressamente, a figura do homicídio culposo causado por condutor embriagado. Nesses casos, a pena varia de dois a quatro anos, ou seja, em caso de condenação, o réu cumpriria a pena em regime aberto.
Desta forma, com a existência de uma legislação específica para este tipo de situação, a promotoria terá de buscar mais provas e elementos capazes de comprovar o dolo, podendo, assim, remeter o caso ao artigo 121 do Código Penal. Caso contrário, sem elementos suficientes, o acusado acabará, naturalmente, enquadrado no novo texto do CTB.
– Isso vai tornar bem mais difícil esse enquadramento no Código Penal. Só o fato de o condutor estar embriagado não vai mais resolver – comenta Vieira.
A legislação em outros países
ColômbiaAlém do cancelamento da carteira, a lei que rege "a condução sob uso de álcool e de outras substâncias psicoativas" prevê multa equivalente a R$ 34 mil.
EspanhaAlém da possibilidade de ir preso, o condutor flagrado com taxa de 1,2 grama ou mais de álcool por litro de sangue tem suspenso por até quatro anos o direito de dirigir. Rejeitar o bafômetro ou exame de sangue resulta em prisão de seis meses a um ano.
Estados UnidosAo envolver-se em um acidente, o motorista embriagado é identificada como alcoólatra e recebe duas alternativas: fazer tratamento ou ir para a cadeia. Durante o tratamento, a pessoa é submetida a exames de urina para avaliar se permanece "limpa" ou se teve recaídas.
FrançaEm caso de acidente, o motorista embriagado pode ter a licença para dirigir suspensa por 10 anos, ser preso por cinco anos e pagar multa de R$ 200 mil.
JapãoUm motorista embriagado que atropela e mata uma pessoa pode ser condenado à prisão perpétua. Embora recursos possam reduzir a condenação, o impacto da pena inicial costuma inibir a imprudência.
SuéciaComo um pedágio, barreiras eletrônicas testam instantaneamente se os condutores consumiram álcool. Quando o resultado indica níveis acima do permitido, as cancelas não se abrem, e o motorista é retido até a chegada da polícia.
"Ganhar na loteria ao contrário", diz especialista
Professor da Universidade de Brasília (UnB) e doutor em segurança de trânsito pela Universidade Livre de Bruxelas, David Duarte Lima é também presidente do Instituto de Segurança do Trânsito (IST).
O CTB é suficiente para que motoristas embriagados que matem sejam punidos?Sim. O artigo 306 diz que é crime de trânsito dirigir sob efeito de álcool, com pena de detenção de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação. Por que não aplicamos esse artigo? No Distrito Federal (DF), 200 mil dirigem sob influência de álcool a cada final de semana. Ora, se essa proporção se mantiver para o resto do Brasil, teremos algo como 7 milhões de condutores dirigindo sob influência de álcool a cada final de semana. Quantos foram flagrados? Quantos foram multados? Quantos foram presos? No DF, dos 200 mil que dirigem sob influência de álcool a cada final de semana, foram multados apenas 14 mil em todo o ano de 2014. Ou seja, uma proporção mínima. No Brasil, provavelmente essa proporção é significativamente menor. A fiscalização é falha, e a punição praticamente inexiste.
Multas e punições administrativas são suficientes?De cada 10 mil pessoas que falam ao celular dirigindo no DF, apenas uma é multada. Trata-se, portanto, de "ganhar na loteria ao contrário". A grande probabilidade é sair impune. O mesmo acontece com beber e dirigir. Não precisamos punir rigorosa e excessivamente os poucos flagrados; precisamos punir todos, ou quase todos, com penalidades justas. É melhor ter certeza de punição, mesmo que "branda", do que ter sensação de impunidade. A penalidade deve ser suficientemente pesada para desestimular a infração. Quando falo em branda, não significa que ela tenha de ser pequena. A punição deve doer no bolso e, eventualmente, prejudicar o infrator.
Em 11 acidentes, houve 15 mortes nos últimos três anos. Conforme a Susepe, dos condutores envolvidos, apenas um está preso
16/11/2013, Porto Alegre
A colisão entre um Corsa e uma Ecosport matou Bruna Capaverde, 15 anos, na esquina das avenidas Brasil e Pernambuco. Motorista do Corsa, Diego Alberto Joaquim da Silva, 30 anos, fugiu, mas foi localizado. Como recusou o bafômetro, foi submetido a exame clínico que apontou "sinais de estar sob influência de álcool".
Enquadramento: denunciado pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio doloso – com intenção de matar).
Contraponto: Roberta Rycembel, advogada, diz que "um vídeo mostra o que aconteceu. O sinal estava piscando (no amarelo) para os dois lados. O motorista da Ecosport não foi prudente também. Os dois fizeram a mesma coisa: passaram com o sinal piscando".
25/12/2014, Capão da Canoa
A moto guiada por Manuela Teixeira, 19 anos, foi atingida por uma EcoSport. A jovem morreu no local. A caroneira, Franciele Melo, 22 anos, feriu-se gravemente. O motorista Leonan dos Santos Franco, 30 anos, negou-se a fazer o bafômetro. Segundo a polícia, um exame confirmou que ele apresentava sinais de embriaguez. Preso em flagrante, Leonan ganhou, no dia seguinte, o direito de responder em liberdade.
Enquadramento: indiciado pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio doloso).
Contraponto: Daiana Soraia da Silva, advogada, afirma que "Leonan perdeu o controle do veículo pelo fato de o pneu ter estourado. A informação de que ele teria se negado a fazer o bafômetro é incorreta. Os PMs não tinham etilômetro. A culpa é exclusiva do Leonan por ter invadido a pista contrária, mas vamos tentar desqualificar para homicídio culposo de trânsito. Houve influencia de álcool, mas isso não foi o causador".
14/09/2014, Caxias do Sul
A colisão de um Focus e um Punto resultou na morte de Lumara Szadkoski Correia, 27 anos, passageira do Focus. Em ambos os carros, os condutores estavam irregulares. O motorista do Punto era um adolescente de 16 anos, que teria ultrapassado o sinal vermelho. Condutor do Focus, Fabiano Deitos, 36 anos, foi submetido ao bafômetro, que apontou a presença de 0,58 miligramas de álcool por litro de ar expelido dos pulmões (acima de 0,33 mg/l é considerado crime de trânsito). Preso em flagrante, foi liberado após pagamento de fiança.
Enquadramento: indiciado pelo artigo 306 do CTB (dirigir embriagado).
Contraponto: Airton de Almeida, advogado, diz que "o fato de ele estar embriagado não foi a causa principal do acidente. Os rapazes que estavam no outro carro é que ultrapassaram o sinal vermelho. Tendo bebido ou não, o fato teria acontecido da mesma forma".
23/06/2014, Portão
Ao conduzir a família para casa durante a madrugada, Donato Rempel, 45 anos, perdeu o controle do carro e bateu em uma parada de ônibus na ERS-240. Enteada do condutor, Leticia Drieli da Cunha, 19 anos, morreu na hora. A embriaguez foi comprovada pelo bafômetro. No veículo, também estavam a mãe de Letícia e o namorado da jovem, que ficou ferido. O delegado Marcus Viafore disse que Rempel foi preso preventivamente por homicídio doloso, já que assumiu o risco de causar a morte.
Enquadramento: denunciado pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio doloso).
Contraponto: procurado pela reportagem, o advogado que representa Donato Rempel, Gilberto Martins da Silva, não foi encontrado.
30/05/2013, Taquara
Pela manhã, Andriely Rodrigues Gonçalves, 10 anos, caminhava em uma ciclovia na ERS-020 com a avó, quando as duas foram atingidas por um Corsa. A menina morreu na hora. O condutor do veículo, Fábio Édson da Rosa, 27 anos, fugiu após o acidente e não foi localizado. No dia seguinte, pelas imagens do circuito de segurança de um posto de combustíveis, a polícia identificou o motorista.
Enquadramento: denunciado pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio doloso).
Contraponto: Julio Cezar Licks Machado, advogado, afirma que entrou com recurso para tentar desqualificar para homicídio culposo (sem intenção de matar). "Ele não desejava que aquilo acontecesse. Embora soubesse que poderia acontecer, acreditava que não fosse acontecer e, no seu íntimo, não queria que acontecesse. Ele fugiu do local porque ficou com medo da reação das pessoas."
21/04/2013, Ivoti
José Schabarum, 66 anos, foi atropelado e morreu na BR-116. Por volta das 7h30min, ele caminhava no acostamento da rodovia quando foi atingido por um veículo. Segundo a PRF, o Fiat Strada conduzido por Clodoaldo dos Santos da Silva, 40 anos, que estaria embriagado, saiu da pista e atropelou o pedestre. O condutor foi preso em flagrante. Cinco dias depois, a Justiça concedeu liberdade provisória, mediante o pagamento de fiança de R$ 4,8 mil.
Enquadramento: indiciado pelo artigo 302 (homicídio culposo) do CTB.
Contraponto: Vinícius Souza, advogado do acusado, explica que, "como o processo é criminal e ainda está em fase de instrução, informo que o meu cliente provará a sua inocência com o conjunto de provas a serem produzidas ao longo do processo".
21/07/2012, Novo Hamburgo
O motorista perdeu o controle de um Tempra, invadiu a calçada e atingiu uma família que saía de um mercado, no bairro Jardim Mauá. Em seguida, bateu em um Uno estacionado, que acabou invadindo o estabelecimento. Um dos atingidos, Davi Vogel Emmerich, quatro anos, morreu dias depois. O bafômetro apontou que Paulo Inácio, 59 anos, tinha nível alcoólico de 0,99 miligrama por litro de ar expelido dos pulmões.
Enquadramento: indiciado pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio).
Contraponto: Jaire Henrique da Luz, advogado, diz que, em razão da estratégia de defesa adotada no caso, prefere não se manifestar neste momento.
31/03/2012, Ijuí
Em seu carro, Antônio Amarante da Luz, 55 anos, atropelou e matou Francisco Simião Oliveira dos Santos, 51 anos. Além de não possuir habilitação, o condutor estava embriagado, conforme indicou o teste do bafômetro feito após o acidente. Preso em flagrante, Luz pagou fiança e foi liberado logo em seguida.
Enquadramento: indiciado pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio).
Contraponto: o advogado Nasser Vitória Jalil, preferiu não se manifestar neste momento.
17/03/2012, Tramandaí
Iberê Vargas Braga, 24 anos, perdeu o controle da caminhonete e atropelou pessoas que pescavam e passeavam na ponte entre Tramandaí e Imbé. Euclides Capellari, 71 anos, foi lançado à água e morreu no local. Seu filho, Gilmar Capellari, 44 anos, foi achado na Lagoa do Armazém, a dois quilômetros do local. O corpo de Édson Dullius Júnior, 19 anos, passageiro da S-10, ficou desaparecido até 30 de março. Para o delegado Roger Brutti, o grau de embriaguez em que se encontrava o condutor indica que ele assumiu o risco de matar pessoas.
Enquadramento: indiciado pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio).
Contraponto: Jader Marques, advogado, diz que "o caso não é de embriaguez. Embora conste como se o bafômetro tivesse sido feito, temos provas de que não foi. Temos prova pericial que demonstra que pode ter havido uma batida lateral de um outro veículo, que pode ter sido a causa do acidente".
01/01/2012, Xangri-lá
Alaíde da Silva Linck, 28 anos, e Ivo Ferrazo, 63 anos, dirigiam um Prisma e um Corsa (táxi), respectivamente, quando se envolveram em acidente com um Vectra. Sem habilitação e suspeita de embriaguez, a condutora do Vectra, a modelo Tatieli da Silva Costa, 30 anos, foi presa. Autuada em flagrante por duplo homicídio e uma tentativa de homicídio, com dolo eventual. No mesmo dia, a Justiça concedeu liberdade provisória a Tatieli.
Enquadramento: indiciada pelo artigo 121 do Código Penal (homicídio com dolo eventual).
Contraponto: o advogado Ivan Braga Florentino, que representa a acusada, não respondeu aos contatos de ZH.
Fonte: Zero Hora

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