segunda-feira, 27 de maio de 2013

Crescem indenizações por acidentes de trânsito

Sequelas modificam rotina, sonhos e perspectivas

Jovem de 17 anos perdeu movimento das pernas
Crédito: André Ávila
Se o número de mortes em acidentes de trânsito impressiona, o de vítimas que fica com algum tipo de invalidez assusta. São pessoas de todas as idades que tiveram a sua rotina, sonhos, planos e perspectivas drasticamente transformados. Esse é o tema abordado hoje, como parte da série de reportagens Guerra Silenciosa, que será publicada até quarta-feira no Correio do Povo.

Segundo dados do DPVAT (Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre), o número total de indenizações pagas - morte, invalidez permanente e reembolso por despesas médico-hospitalares - cresceu 28% no primeiro trimestre deste ano, na comparação com 2012. O mais preocupante é que os casos de invalidez permanente representam 68% desse total, segundo a Seguradora Líder DPVAT, que administra o seguro nacional. No Brasil, foram pagos 85.286 benefícios por invalidez nesse período.

Aos 17 anos e cheia de planos com o início das aulas na Faculdade de Arquitetura da Universidade de Passo Fundo (UPF), Vanessa da Rocha integra essa triste estatística. Ela viu a vida virar de ponta-cabeça na tarde de 2 de março no trevo de acesso ao município de Barros Cassal. O trecho integrava o trajeto que a conduziria de volta para casa, em Soledade. A jovem estava no banco do passageiro, ao lado da motorista, a mãe Marione. As duas irmãs mais novas Amanda, de 5 anos, e Bianca, de 2, viajavam no banco traseiro. "Foi tudo muito rápido. Tínhamos acabado de entrar no carro depois de uma parada para comprar doces. Eu ainda não tinha colocado o cinto de segurança e esse foi o grande diferencial. Como a rodovia estava em obras, um desnível fez com que a minha mãe arremetesse o veículo para o lado e acabássemos colidindo contra uma árvore", conta ela, como uma grande precisão de detalhes quase como se estivesse descrevendo a cena de um filme.

A mãe teve traumatismo craniano e ficou mais de uma semana internada no hospital. As duas irmãs saíram ilesas do acidente. Para ela, a consequência da batida foi a compressão medular e a fratura em duas vértebras. Os danos fizeram com que perdesse os movimentos das pernas. "A partir daquele momento, nada na minha vida permaneceu igual", relata. O desabafo da jovem encaixa-se com a sua nova rotina. Em busca da reabilitação, deixou a casa dos pais para morar com uma cuidadora, em Porto Alegre, praticamente em frente à clínica onde faz fisioterapia, localizada na zona Sul.

No apartamento, ela brinca que está vivendo em formato de acampamento, já que quase tudo está improvisado, e se lembra de uma ironia da vida. "Antes de entrar na faculdade queria estudar na Capital, mas minha mãe não gostaria que eu ficasse longe. Agora aqui estou", conta, com bom humor.

O otimismo também se intercala com incertezas do futuro. "Não sei se voltarei a caminhar, mas os pequenos movimentos que consigo fazer sozinha ou com uma facilidade maior representam uma grande vitória", assinala. Vanessa diz que após o acidente não podia nem se mexer sozinha e, agora, consegue sair da cama com mais agilidade e se movimentar com rapidez na cadeira de rodas.

"Jamais pensei que fosse acontecer"
Há dois anos, os planos de Leandro Oliveira eram de ver o crescimento da filha recém-nascida Lívia, ao lado da esposa, Tatiane, e crescer profissionalmente como agente da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe). Mas praticamente todos os planos vieram por água abaixo quando, numa segunda-feira, em janeiro de 2011, durante uma viagem de trabalho, sua vida mudou completamente. "Era apenas um dia normal. Jamais pensei que isso fosse acontecer."

Ele estava com um colega em deslocamento de Porto Alegre para Alegrete, em função de uma investigação, quando o veículo em que estava colidiu contra uma caminhonete, durante uma tentativa frustrada de ultrapassagem, em Rosário do Sul. Como consequência, o veículo foi parar praticamente embaixo dos eixos da caminhonete. "O carro ficou como se fosse um conversível", relembra. O colega que dirigia o veículo morreu na hora, esmagado. Como por um milagre, Leandro sobreviveu. "Tive multifraturas pelo corpo", conta.

Hoje, aos 30 anos, observa que a sorte foi o recebimento dos primeiros socorros de um médico argentino que passou pelo local pouco depois do acidente. "Acredito que esse cuidado foi determinante para não ter morrido no local. Foi um anjo que veio me socorrer", diz ele, que nunca conseguiu reencontrá-lo.

Garantir a vida foi a principal vitória naquele momento. Mas as marcas de uma ultrapassagem malsucedida permaneceriam. Após o atendimento, ele foi transferido para o Hospital Cristo Redentor, em Porto Alegre, onde ficou 50 dias internado, sendo parte desse período na UTI. Dias depois da alta, outra sequela, desta vez nos órgãos internos, que fez com que ele tivesse que lutar pela vida novamente. "Foram duros golpes", resume.

Com saída efetiva do hospital, veio a nova realidade. Em função do dano à coluna, perdeu os movimentos das pernas e ampliou as suas limitações. "No início, doía ficar sentado. Jamais pensei que fosse conseguir voltar a fazer as coisas sozinho", revela. Situação essa que mudou totalmente ao longo desses dois anos. Com intenso tratamento, Leandro diz ter uma vida praticamente normal: cuida da filha pequena, faz as tarefas pessoais e dirige. Ele teve o carro adaptado, com freios e embreagens controladas pela mão. Apesar das dificuldades, diz que foi um momento de "acordar para a vida".

Em busca da reabilitação

As marcas das lesões provocadas pelos acidentes de trânsito em Leandro Oliveira e Vanessa da Rocha tentam ser amenizadas por meio da reabilitação intensiva. Todos os dias, por duas horas, eles praticam uma fisioterapia mais ativa em uma clínica da zona Sul de Porto Alegre. Segundo a responsável pelo tratamento de ambos, Melissa Grigol Goldhardt, a ideia é garantir qualidade de vida e que eles possam fazer as suas atividades diárias sozinhos ou com uma facilidade maior. "A fisioterapia serve para estimular ao máximo a funcionalidade do corpo. Cada lesão tem a sua característica e, no caso da medular, não pode ser revertida, mas isso não impede que haja o estímulo por outras vias."

Mesmo não podendo garantir a reabilitação total, a fisioterapeuta ressalta o avanço com o treinamento mais contínuo. "É igual ao caso de um atleta. Com a atividade intensa, com frequência e uma carga horária maior, é possível ter resultados mais satisfatórios em um período menor de tempo."

Atuando na área da reabilitação há seis anos, Melissa confirma o crescimento no número de pessoas com lesão medular provocada por acidentes de trânsito. "Hoje é a principal causa, ao lado dos casos envolvendo arma de fogo", afirma ela.
Fonte: Correio do Povo

Nenhum comentário:

Postar um comentário